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Os Dois Comunicadores de Emaús

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UMA INTERPRETAÇÃO BÍBLICA DOS DISCÍPULOS DE EMAÚS NA ÓTICA DA COMUNICAÇÃO

Estimados Amigos e Amigas!

Na Proposta Programática do Reitor-Mor à Congregação Salesiana depois do Capítulo Geral 28, a prioridade n. 3 refere-se à Comunicação: “viver o sacramento salesiano da presença”. Especificamente: Fazer o diálogo entre Evangelho e cultura, à luz do carisma salesiano, no habiitat digital. Eis um grande desafio e uma grande oportunidade para todos nós, comunicadores! Este pedido da Congregação Salesiana aponta-nos um caminho exigente e importante para o aprofundamento e o empenho prático de todos nós na área da comunicação. Um ponto de partida para a vivência dessa proposta será aprofundar nossa identidade salesiana de comunicadores a partir de uma visão bíblica. Nós precisamos de um texto e um ícone bíblico para a Comunicação Social! Necessitamos de um roteiro bíblico que nos ajude a refletir, rezar, vivenciar e comunicar, a partir da nossa experiência espiritual salesiana com a Palavra de Deus. Muitos textos bíblicos podem ser referência para a comunicação! Depois de um diálogo com alguns Delegados de Comunicação, escolhemos o primeiro texto para este trabalho: a narração do encontro de Jesus com os dois discípulos a caminho de Emaús (Lc 24,13-35).

A partir desse texto bíblico, propomos fazer uma interpretação e uma aplicação para a comunicação hoje com a temática: IMERSÃO, MEDIAÇÃO HUMANA, INTERCULTURALIDADE.

O texto oferece uma base rica e profunda de elementos humanos, culturais, espirituais, pastorais e técnicos para a comunicação: pode ser uma contribuição atual e muito salesiana para um diálogo educativo pastoral, a partir do Evangelho, com a comunicação interpessoal e comunitária, a comunicação digital e o ambiente das redes sociais; como vivenciar a comunicação nas diversas geografias relacionais da vida humana; como comunicar a partir das relações humanas com seus rituais, até o modo como nós interagimos com as pessoas através das vídeo conferências, o trabalho remoto, o estar online e em rede.

O texto de Emaús oferece uma base profunda acerca de como comunicar através do diálogo, da narrativa, dos símbolos; ele apresenta rituais celebrativos sobre a partilha da palavra e do pão; ele expressa elementos da comunicação como o valor da palavra, o significado dos sentimentos e gestos na relação humana; ele envolve aspectos da realidade sócio-político-religiosa, a história e a memória. O texto nos traz em si elementos de estruturação comunicativa que podemos aplicar à comunicação, por exemplo, a estrutura narrativa do diálogo de Jesus com os dois discípulos, os elementos visuais e imaginativos da narrativa, os aspectos pedagógicos da narração, a composição dinâmica das cenas narradas, a ritualização da ceia celebrada, a integração das dimensões da fé e dos sentimentos compartilhados, a continuidade da experiencia do ritual celebrado na ausência presente de Jesus Cristo.

O texto tem sido uma fonte iluminadora da nossa espiritualidade salesiana e uma referência inspiradora para a Pastoral da Juventude da Igreja. O Sínodo dos Jovens, realizado em 2018, com o tema “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”, escolheu o texto de Emaús como base bíblica de todo o Documento Sinodal.

Nesta nova abordagem do texto de Emaús, definimos algumas temáticas para serem elaboradas e aprofundadas.

• O AMBIENTE IMERSIVO DO DIÁLOGO DE JESUS COM OS DOIS DISCÍPULOS — Nesta parte inicial, destacamos a importância de compreender a comunicação digital e das redes sociais como ambiente imersivo de rituais humanos e culturais, onde emerge a necessidade da comunicação interpessoal através da narrativa que a pessoa faz dos acontecimentos da sua vida, da importância do diálogo, da abertura e da confiança. Referimos aqui à imersão como um conceito da comunicação interativa-instantânea que envolve os nossos sentidos, as nossas percepções de um ambiente, o modo de perceber o tempo e o espaço nos contatos virtuais, como as interações humanas são construídas seja em uma sala de aula, em uma mesa de refeição, em uma sala de cinema, em uma vídeo conferência, em uma celebração e tantos outros momentos de imersão.

O diálogo do caminho de Emaús é um arquétipo da comunicação: ele revela o modo como a pessoa humana, através da sua liberdade e criatividade, elabora a sua narrativa a partir da sua experiência e realidade. Analisamos nessa parte como a palavra revela os sentimentos profundos da pessoa e como se torna um código afetivo e rico para a relação com o outro. Através da palavra narrada a pessoa abre-se para expressar seu habitat interior, seus sentimentos e experiências mais profundos e verdadeiros. Esse modo da pessoa comunicar-se por inteiro cria um ambiente de comunicação imersiva, um habitat onde se vive e comunica.

OS SUJEITOS DA COMUNICAÇÃO NO CAMINHO DE EMAÚS — Nesta segunda parte, aprofundamos a mediação humana da comunicação. Aqui mostramos o quanto e como o diálogo aberto predispõe a pessoa a ver, ouvir, sentir e interagir autenticamente; como ela se sente inteira no diálogo, tornando-se sujeito da comunicação, expressando a sua interioridade, e a sua abertura para o novo. O diálogo de Jesus com os dois discípulos é um processo de abertura a uma nova realidade. A comunicação é significativa quando favorece a expressão da situação interior do comunicador. A partir desta relação de abertura para o outro como realidade nova, a mediação humana acontece. A mediação humana expressa a identidade social de cada pessoa e da relação de humanos para humanos. Na interatividade da pessoa através das redes sociais, por exemplo, a mediação humana define uma ética das relações online e em redes. A mediação humana é estudada também na relação das pessoas intermediadas pela tecnologia, por um computador, por um vídeo, uma música. A mediação humana no contato com as tecnologias digitais e inteligência artificial requer uma compreensão da psicologia humana, do modo como elaboramos, recebemos e integramos com as informações na nossa vida, assim como o impacto de imagens, sons, interatividade e velocidade nos nossos processos afetivos e cognitivos.

• A RITUALIDADE COMO MODO DE COMUNICAR — Nesta terceira parte, descrevemos como a narrativa favorece a expressão da subjetividade da pessoa e abre uma segunda porta da comunicação: a partilha das experiências profundas através dos seus sentimentos, dores e esperanças ritualizadas nos gestos e atitudes celebrativas. Jesus realiza este momento de comunicação através do ritual da partilha do pão, do estar juntos, dos gestos, dos sentimentos e afetos partilhados. O lugar da celebração do ritual da partilha do pão representa o ambiente que acolhe com calor humano e confiança, o habitat da fraternidade, a casa comum.

A comunicação gera relações de confiança e ritualizações. A amizade é um exemplo de ritual humano construído, vivenciado e celebrado. O cuidado pelo ser humano, por sua saúde e sua qualidade de vida e pela ecologia integral é uma manifestação da comunicação ética.

• A EXPERIÊNCIA DO MISTÉRIO E DA BELEZA NO RELACIONAMENTO HUMANO — Nesta quarta parte, fazemos uma relação da comunicação com o mistério e a beleza. A partir da experiência do mistério através da fé, os dois discípulos vivenciam com Jesus a comunicação profunda em que o humano e divino se encontram. A profundidade da comunicação é construída porque o mistério do amor de Deus experimentado na relação dá significado e direção para quem comunica. O comunicador cristão, utilizando qualquer meio de comunicação, expressa sua identidade de anunciador da mensagem de Deus para os outros. A comunicação necessita da estética e da beleza. Elas se manifestam de muitas formas, sejam pelos sentimentos humanos, pela fraternidade, pelos aspectos simbólicos, pela dimensão artística da palavra, dos gestos, do ritual e das cores, e pela obra da Criação. A arte como a música, a dança, o teatro, a pintura, a literatura tem uma linguagem própria. O design, o modelo, as cores , os sons e formatos de produção multimidial, elaboração de imagens em 3D e símbolos utilizados para a navegação e animação nos sistemas digitais são elaborados a partir de princípios da arte em diálogo com a tecnologia. O apelo comunicativo do estético enriquece a variedade das modalidades da comunicação.

• A COMUNICAÇÃO COMO RESPONSABILIDADE COM O OUTRO E COM A COMUNIDADE — Na quinta parte, mostramos como a comunicação humana toca a liberdade da pessoa e sua vocação de corresponsabilidade diante de Deus, do outro e da comunidade. Comunicar é ser coautor com Deus diante do projeto contínuo da criação do mundo. O comunicador é aquele que colabora com o projeto de vida e esperança que foi revelado por Deus no Verbo que se fez carne e habitou entre nós (Jo, 1,14).

O gesto dos dois discípulos de Emaús que retornam a Jerusalém para anunciar que o Senhor ressuscitou expressa a resposta de cada comunicador à sua vocação de comunicar em nome de Deus. Desta forma, a responsabilidade de comunicar nasce de uma resposta livre a Deus, de uma consciência de dar continuidade ao projeto de Deus para a humanidade. Cuidar do outro, das pessoas e do ambiente humano cultural e ecológico revela a responsabilidade da pessoa e da comunidade diante do Criador. A ética da comunicação tem sua raiz na responsabilidade diante da própria vocação de comunicador em nome de Deus. Comunicar com as pessoas é, portanto, a manifestação da dimensão da identidade social de quem comunica e do sentido do cuidado comum com o ecossistema humano cultural das sociedades e nações.

• A CONDIÇÃO DIGITAL E OS NOVOS JOVENS CRISTÃOS — Na sexta parte, apresentamos, à luz da experiência dos dois discípulos de Emaús, a condição digital dos jovens de hoje, sua visão de mundo, suas linguagens e códigos através da música, da dança, dos gestos, dos jogos, das interações e criações simbólicas. Dentro deste cenário de novas linguagens, o caminho do ritual da palavra e do pão vividos por Jesus e os dois discípulos de Emaús pode se tornar um referencial de como comunicar a partir da condição humana e da sua cultura. Converte-se assim o texto numa verdadeira pedagogia de como comunicar em nível interpessoal e grupal, no ecossistema humano cultural, e em redes. O texto oferece também uma imensa e rica gramática de comunicação para a criação, produção e informação no seu formato escrito, visual, sonoro, interativo.

A narração proporciona uma grande riqueza estético-espiritual, mostrando como vivenciar o mistério de Deus na realidade humana. Para o jovem cristão que vive e cresce no habitat digital, comunicar é a expressão da vivência da espiritualidade, do amor a Jesus Cristo e do compromisso missionário na comunidade cristã. Como protagonistas da comunicação nos ambientes complexos digitais e redes sociais, o jovem assume a sua vocação de anunciar o Evangelho, de promover a interculturalidade e a solidariedade, em que cada pessoa, a partir da sua identidade cultural, abre-se para a riqueza do outro e dos valores da sua cultura.

O roteiro de Deus vivido pelos dois discípulos de Emaús com Jesus é uma fonte de inspiração e uma referência importante e atual para uma comunicação profundamente humana-espiritual e criativa.

• ALGUMAS QUESTÕES PARA APROFUNDAMENTO E PARTILHA

• Como experienciar a Palavra de Deus e comunicar de modo criativo, a partir da inspiração e da força da Palavra? • Como promover a narrativa como modo de escutar e entrar no coração dos jovens?

• Como criar o ritual do diálogo e da oração a partir da experiência de vida dos jovens? • Como viver a espiritualidade da comunhão, o silêncio, a união com Deus na virtualidade, na instantaneidade e na velocidade das relações no mundo digital? • Como permanecer com Jesus Cristo na ausência-presente na comunicação virtual? • Como a Palavra partilhada com os jovens pode se tornar experiência de ritual, de oração e sacramento? • Como a Eucaristia nos une espiritual e educativamente aos nossos jovens no mundo digital? • Como promover a qualidade da comunicação de modo que os educadores comunicadores possam surpreender, encantar e levar os jovens a assumir a causa do Evangelho, da Igreja e da Comunidade Salesiana? • Como comunicar a partir da interculturalidade no mundo de hoje? • Como evangelizar no habitat digital com o estilo de Dom Bosco? • Como engajar os jovens no campo da comunicação para que sejam protagonistas com identidade cristã e profissionalismo?

A partir da partilha  e  reflexão deste texto e de algumas perguntas, propomos três ações práticas:

1. Promover o estudo, a reflexão, a partilha, a oração pessoal e comunitária dos comunicadores partindo da Palavra de Deus.

2. Dialogar e aprofundar as perguntas e outras referentes ao texto de Emaús, visando a comunicação.

3. Desenvolver com qualidade e inovação a criação e produção de subsídios educativos, em formato de vídeo, música, cartões, fotos, ‘plays’.

Está sendo elaborado um pôster do encontro de Jesus com os dois discípulos de Emaús por um artista italiano. O pôster, junto com o texto que estamos elaborando, será encaminhado a todos os Delegados de Comunicação e Equipes, para que se utilizem nos encontros de formação, nas orações e na criação de material de comunicação. Peço a gentileza dos Delegados de Comunicação que me enviem, se puderem, ideias e sugestões que possam enriquecer o texto que estamos elaborando.

Com a colaboração e o engajamento de todos os nossos Delegados de Comunicação e Equipes, esperamos aprofundar juntos a proposta da Congregação sobre “viver o sacramento salesiano da presença”, à luz da espiritualidade e missão salesianas a serviço dos jovens de hoje.

Unidos na esperança do Cristo Ressuscitado,

Mirandela, Portugal, 27 de abril de 2021

P.GILDÁSIO MENDES

Conselheiro Geral para a Comunicação Social