Início Artigo “A ação do espírito nos povos indígenas”

“A ação do espírito nos povos indígenas”

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*Artigo do P. Eloir Inácio de Oliveira, diretor da presença salesiana de Nova Xavantina (MT)

O livro “A ação do Espírito nos Povos Indígenas”, cujo lançamento será realizado hoje, dia 19/04/21, das 19h00 às 21h00 (horário de Brasília), de forma virtual, é o resultado impresso do IX ENCONTRO CONTINENTAL DE TEOLOGIA INDÍGENA, realizado presencialmente na pequena cidade de Tolé, região indígena, no Panamá, em janeiro de 2020. Foi programado e realizado pela AELAPI (Articulação Ecumênica Latino Americana de Pastoral Indígena).

Teve a participação de aproximadamente 200 representantes indígenas e não indígenas das Regiões Latino Americanas: Amazônia, Andina, Caribenha, América Central, América do Norte e Cone Sul. Além das pessoas dessas regiões, contou também com a participação de membros da CLAI (Conselho Latino Americano de Igrejas).

O tema do encontro foi sobre “A ação do Espírito…”, se referindo à compreensão de Espírito em sentido amplo; e não “A ação do Espírito Santo…”, que concentraria a compreensão somente na doutrina católica. Os organizadores assim o fizeram de propósito, porém, já imaginando qual seria a conclusão. E foi justamente isto que aconteceu: o documento final do encontro apresentou o resultado do pleno consenso atingido após as profundas reflexões dos trabalhos em grupos, das preciosas contribuições dos Xamãs dos povos indígenas de toda a América e das análises dos peritos de diversas Igrejas Cristãs. Em resumo, a conclusão foi que se trata de um e mesmo Espírito que, desde tempos ancestrais, agiu nas culturas indígenas e também na pessoa de Jesus Cristo, em sua Encarnação, ensinamentos da Boa Nova do Evangelho e Ressurreição.

No Primeiro Testamento Bíblico e, principalmente, em Pentecostes, foi o mesmo Espírito o enviado sobre todas as culturas da face da terra. Jesus, movido pelo Espírito, não agiu somente na cultura do Povo Judeu. Contudo, as manifestações foram diferentes, dentro da incomensurável riqueza da diversidade cultural advinda do próprio Deus. Há um só Deus Trinitário que se expressa em nomes, rituais, palavras, danças e cantos muito diversos. Os resultados da ação do Espírito são harmonia, partilha, igualdade social, modos diferenciados de exercer o poder, sintonia com o meio ambiente e tudo aquilo que já nos acostumamos a denominar Sumak Kawsay, expressão de origem Kíchwa, que significa Bem Viver. O que mais o Espírito Santo enviado por Jesus deseja que aconteça no mundo a não ser o Bem Viver?

O livro traz também os desafios atuais que os povos indígenas enfrentam desde os tempos do primeiro colonialismo até os do atual neocolonialismo, praticado por governos, igrejas e outras entidades. Os maiores desafios vêm dos grandes projetos de exploração dos recursos naturais contidos nos territórios indígenas: mineradoras, madeireiras, hidrelétricas, agronegócio, etc. O nosso mundo consumista é apresentado para eles como o ideal, o melhor, o único possível e exerce neles um grande fascínio, pois toda cultura sente o dinamismo interno de buscar algo novo. Todas estas ameaças, em muitas regiões já em andamento, podem ser sintetizadas no nosso país pelo projeto totalmente equivocado e antropologicamente superado denominado pelo atual governo de INTEGRAÇÃO. Contra ele precisamos lutar, sempre com o protagonismo indígena.

Outro ponto de destaque do livro é a constatação da necessidade de cobrar da hierarquia católica e das outras Igrejas Cristãs Parceiras a definição do conceito de Pecado Ecológico, como um pecado contra Deus e sua criação. Conforme reflexão do Pe. Victoriano Castillo González, SJ, a sociedade atual e a grande mídia se escandalizam grandemente com os crimes de abusos sexuais, principalmente com a pedofilia. E isto é realmente necessário. Mas, estranhamente, pouquíssimo se fala dos pecados cometidos contra o meio ambiente, das violações contra a Mãe Natureza, que está sendo literalmente violentada, destruída, com gravíssimos prejuízos para todo o equilíbrio do planeta. Para os povos indígenas, quando ocorre um desmatamento visando a prática da monocultura, os Espíritos da floresta, do cerrado e de outros biomas vão todos embora e aquele povo fica totalmente sem sua proteção maior. Certamente que causará grande impacto e reprovação de muitos católicos, mas é urgente a definição de pecado ambiental. É um caminho sem volta e teremos que reaprender a viver na Casa Comum, o nosso Planeta Terra. Por isso, ainda segundo o Pe. Victoriano, “Eso tiene que estar entre uno de los pecados mortales junto con el pecado de asesinato, apostasía y adulterio; este tiene que ser el cuarto pecado mortal. La violación a la Madre tierra es un pecado mortal”.

Destaco estes pontos do livro e estimulo a sua leitura. Primeiramente, os próprios povos indígenas, para que resistam na vivência de suas espiritualidades, tão diversificadas nas expressões, mas com a consciência de que se trata sempre do mesmo Espírito que quer o bem de todos, em suas diversas formas sociais. Depois, convido também à leitura todos os cristãos e não cristãos que já refletiram sobre a vida dos povos indígenas, em grande projeção na sociedade brasileira. Todos precisamos aprender que não é possível entender a realidade apenas com a razão. A intuição, a mística, os transes, a elevação espiritual, muito usadas pelos povos indígenas, são verdadeiras escolas para consertarmos o que já estragamos no nosso mundo atual. O Papa Francisco é o primeiro a pedir que enriqueçamos a Igreja Católica com a contribuição dessas espiritualidades, vencendo qualquer preconceito ou discriminação.

E, finalizando, lembro a todas e todos que Jesus não nos deixou nada por escrito. Tudo o que sabemos dele é através de textos posteriores à sua passagem pela nossa história. Textos próprios de uma determinada época e filosofia desta mesma época. O Cristianismo, inicialmente, foi judaico. Depois, se encontrou com o mundo greco-romano, quando teve a maior parte de sua doutrina estabelecida; podemos citar expoentes desse tempo, tais como, Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino. Em seu caminhar histórico se encontrou também com o marxismo, fazendo surgir a Teologia da Libertação, combatida fortemente, mas em nova fase de reelaboração com o pontificado do Papa Francisco. Lembro-me de intelectuais que tentaram até mesmo aproximar o Cristianismo do Evolucionismo, nos escritos fascinantes de Teilhard de Chardin, com suas brilhantes ideias de cristificação do universo. De modo que, olhando a caminhada da nossa Igreja Católica, vemos que nunca existiu o que poderíamos chamar de “Cristianismo Puro”, mas sempre a mensagem revelada por Jesus nos Evangelhos interpretada por alguma corrente filosófica que ganha força em determinada época. Então, fazemos a pergunta essencial para o nosso tempo histórico de preocupação com o equilíbrio do meio ambiente: Por que não promovermos uma interculturalidade entre Cristianismo e Religiões Indígenas? Por que não aceitar a Teologia Indígena? Já foram dados grandes passos e há uma história construída por todo o território da nossa Abya Ayala. Sacerdotes indígenas, vivências comunitárias, encontros e simpósios já foram realizados. O próprio CELAM apoia esta caminhada e também realiza os seus momentos de aprofundamento. Falta pouco para a expressão Teologia Indígena entrar oficialmente na doutrina católica.

A desafiadora tarefa para a qual precisamos rezar e lutar para não acontecer é o intento de grupos conservadores extremistas que querem impor uma espécie de Nova Cristandade Monocultural. Esta seria dominadora, considerando as outras religiões originárias como inferiores ou pagãs. Seria baseada no racionalismo e nos pressupostos da chamada Civilização Ocidental, sob os ditames do atual capitalismo improdutivo, financista e desligado dos segmentos sociais. Seria uma traição ao cristianismo presente nos Evangelhos, os quais mostram um Deus que se insere numa cultura e convida os seus seguidores a fazer o mesmo nas culturas de toda a face da terra, até os confins do mundo.

Sejamos, pois, abertos ao sopro do Espírito que fala não somente às igrejas, mas a todas as culturas originárias, pois há comprovação suficiente de que foram elas que, por primeiro, o acolheram e o mantêm vivo e atuante.

 

Pe. Eloir Inácio de Oliveira, SDB.

Membro da Equipe de Teologia Indígena do CIMI.