A congregação salesiana não é um Instituto Missionário, no sentido canônico da expressão. Mas Dom Bosco nos ensinou que a dimensão missionária é constitutiva do nosso carisma. No caso da nossa Inspetoria, trata-se de uma questão fundamental. Nós somos uma Inspetoria missionária desde as suas origens.
Os documentos atuais da Igreja e da Congregação Salesiana insistem na evangelização através da presença. Neste ano do Bicentenário do Nascimento de Dom Bosco, com os povos indígenas Bororos e Xavantes, nos alegramos pela sua presença de pai e mestre da juventude ao longo de mais de um século.
No caso particular da nossa Inspetoria, podemos dizer que Dom Bosco se fez presente de três modos na área das missões, como veremos abaixo:
O primeiro momento de sua presença aconteceu na forma de sonhos, antes mesmo do envio dos primeiros salesianos para as missões. Dom Bosco, em sonho, conheceu as terras brasileiras, principalmente as mato-grossenses, onde ele via a natureza exuberante, os destinatários indígenas e os novos salesianos que ele não conhecia. Baseado em seus sonhos, deixou-nos por escrito os dois segredos para o sucesso do trabalho: água e sangue, suor e martírio, como de fato aconteceu com o incansável trabalho missionário e o martírio dos padres Thannuber, Fuchs, Sacilotti e Rodolfo. Ele anteviu, por especiais sinais divinos, o imenso campo de trabalho para a jovem congregação e para cá enviou animados salesianos. Era o século XIX, marcado pelo pensamento positivista e pelo deslumbramento que as grandes descobertas traziam para toda a Europa.
O segundo modo de sua presença aconteceu com a vinda dos primeiros salesianos para a América, primeiramente para a Patagônia e posteriormente para o Brasil. Dom Bosco se fez presente por intermédio de incansáveis salesianos e salesianas que enfrentaram o novo mundo com forte espírito evangelizador. Ele foi conhecido e amado por incontáveis gerações que se admiraram com a sua vida e o seu projeto educativo cristão. Bororos e Xavantes encontraram, nas missões salesianas, a presença amiga, o fortalecimento das suas espiritualidades, a segurança e os bens materiais, principalmente a posse legalizada da terra.
O terceiro modo da presença de nosso fundador às missões aconteceu em 2010, com a passagem da urna contendo as suas relíquias. Dom Bosco, através dessas relíquias, novamente passou pela nossa terra e viu a realização dos seus sonhos. Salesianos, Bororos e Xavantes o acolheram com festa, rituais e carinho. Em Meruri e Sangradouro, representando todo o trabalho missionário, ele contemplou o resultado do esforço de gerações de salesianos que o traduziram em evangelização inculturada. Foi marcante o momento em que Dom Bosco se fez presente no mesmo pátio onde os seus filhos Pe. Rodolfo Lunkenbein e Simão Bororo foram martirizados em consequência do compromisso com a vida, em testemunho de justiça e profecia.
Dom Bosco está vivo nas comunidades indígenas. Isso podemos ver na continuação do carisma salesiano entre os Bororos e Xavantes. Desde os primeiros contatos, passando pelos diversos modos de trabalho missionário, Dom Bosco foi sendo conhecido e os exemplos de sua vida foram incorporados à vida dessas comunidades. A continuação da sua espiritualidade é viva principalmente nas lideranças suscitadas, entre as quais se destacam os inúmeros agentes de pastoral, os vocacionados, os jovens, os anciãos e o Pe. Aquilino, sacerdote Xavante.
Vemos, então, que a Missão Salesiana de Mato Grosso tem uma grande história de presença constante e concreta junto aos destinatários indígenas. O trabalho missionário marcou o seu início e continua sendo a sua identidade, como constatado nas recentes decisões e deliberações Inspetoriais.
Num momento histórico em que os povos indígenas crescem demograficamente e se organizam na luta por seus direitos sagrados, urge a necessidade de atuarmos em sintonia com eles. O modelo dominante, imposto pela sociedade ocidental capitalista, está levando o mundo à destruição da natureza, ao isolamento entre as pessoas, ao crescimento das injustiças e da violência. Os povos indígenas trazem consigo a sabedoria do Bem Viver, numa integração da vida humana com o cosmos, na vivência social equilibrada e no profundo respeito ao sagrado. É sinal de que precisamos continuar nos fazendo presença entre eles para aprender e ensinar, numa partilha de vida que constrói o mundo novo.
Nessa construção, vemos a importância da formação cristã inculturada. A forte espiritualidade indígena assumiu o cristianismo em suas histórias, numa tradução de simbologia, mitos e ritos. A devoção mariana foi incorporada com muito fervor.
Vemos também a necessidade de formação para a prática do exercício da cidadania, ainda que seja dentro das contradições do poder do Estado e de seu sistema representativo. Diante das ameaças do atual congresso conservador, Bororos e Xavantes têm se destacado na união pela causa indígena em âmbito nacional. Na diversidade de suas organizações sociais, os povos indígenas dão demonstração de exercício da cidadania e de consciência política maior do que certos setores da classe média brasileira.
Com a rica tradição cultural Bororo e Xavante vemos florescer a vida nas inúmeras aldeias. Novos tempos de múltiplas informações, de muitas possibilidades, de inúmeras belezas, de muitas seduções que levam, infelizmente, também a perigos, contradições e riscos. Queremos que eles construam a sua história diante desses desafios. Junto a eles queremos continuar a ser presença, apoio e luta por uma sociedade da diversidade, como Deus sempre quis.
Dom Bosco continua presente, intercedendo pelas novas gerações de missionários e destinatários. Ele pede atenção aos sinais do mundo atual, com a retomada do histórico lema educativo: “a formação de bons cristãos e honestos cidadãos”. A integralidade desse lema propõe a construção de uma pessoa possuidora de valores humanos, espirituais, sociais e políticos.
Pe. Eloir Inácio de Oliveira, SDB