Os acadêmicos de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Santos (SP) realizaram, nos dias 13 a 21 de janeiro, a décima quinta expedição do Projeto Acadêmico de Assistência aos Povos Indígenas (PAAPI).
Desde o ano de 2009 os acadêmicos dessa instituição de ensino visitam as missões indígenas Xavante e Bororo, de Sangradouro e Meruri, com o objetivo de prestar assistência básica à saúde, coletar dados por meio de visitas domiciliares e promover ações de medicina preventiva.
Comprometimento e financiamento independente
Na edição deste ano 2023/2024 o PAAPI reuniu 34 acadêmicos do primeiro ao terceiro ano de medicina, acompanhados de médicos e professores. O projeto é independente e financiado pelos próprios alunos por meio de promoções e eventos durante todo o ano que antecede a viagem.
O sucesso do projeto se deve muito à dedicação dos acadêmicos, motivados por uma experiência missionária transformadora, como eles próprios relatam ano após ano, ao retornarem das missões indígenas. Neste ano, não foi diferente. Até as dificuldades e questionamentos enfrentados durante o processo se transformaram em motivação pessoal para validar a experiência.
O PAAPI como gesto de carinho e propósito maior
De acordo com os coordenadores da edição deste ano, o PAAPI é mais que um projeto social, mas um gesto de carinho. “Carinho é uma manifestação que denota amor e apreço. Ele pode envolver o contato físico, mas simples gestos e palavras são suficientes para demonstrar afeição a alguém. Isso é o PAAPI. Cada atendimento, cada brincadeira, cada simples conversa são formas de expressar nossa preocupação com o povo xavante. Nossas ações giram em torno do propósito maior que é fazer o bem”, explicaram os acadêmicos.
As Missões Indígenas são mantidas pelos salesianos há cerca de 80 anos. A atividade de evangelização está presente em cada gesto realizado pelos missionários. No entanto, para participar do PAAPI não se exige nenhuma prática religiosa, o que não impede que os futuros médicos vivam uma experiência mística através do trabalho dedicado aos indígenas. “Tive a oportunidade de ser abraçada por todos da missão e pelo povo xavante por três anos consecutivos. Desde o meu primeiro dia, na minha primeira viagem, já tive a certeza que ainda há pessoas que fazem os breves encontros serem os mais inesquecíveis. Fui apresentada a sentimentos de amor e felicidade que jamais tinha visto: de quem ame sem dizer, mas em atitudes, em demonstrações e uma felicidade silenciosa, acolhedora e leve. Com o tempo, a gente aprende a apreciar o simples, o verdadeiro, o essencial. Nos desprendemos de alguns caprichos e começamos a criar mais laços. Passamos a valorizar os pequenos detalhes e percebemos que ainda há quem faz a gente sentir-se casa e que nos traz sempre paz, amor, esperança e coragem. Que são tudo aquilo que mais precisamos”, explicou a acadêmica Nayara Dias.
Não existe improviso em uma ação missionária deste porte. Também os salesianos se preparam com esmero para receber os jovens acadêmicos, revela o P. Joseph Tran Van Lich “Para salesianos desta presença, sempre é muito significativa a presença desse jovens, pois, nunca podemos esquecer que somos chamados para caminhar com jovens, especialmente os mais pobres e abandonados. Assim, sempre, durante o ano, a comunidade salesiana vem se preparando para receber os jovens do PAAPI, que vêm para cá em janeiro de cada ano. Isso manifesta a nossa alegria de recebe-los na nossa casa, partilhando a vida e dando as mãos para fazer bem aos próximos”.
Desafios e lições durante a jornada missionária
Os jovens testemunham que uma das experiências mais fortes vividas entre os povos originários é a superação do conflito interior que surge ao perceber a própria limitação diante das carências das pessoas atendidas. “Um dos grandes desafios da nossa jornada é aprender a lidar com a impermanência, com as incertezas, com as dúvidas e com tantos medos. Temos e nunca teremos controle sobre alguns acontecimentos, sentimentos e emoções. Dias tristes vieram. Sentimentos de angustia por não conseguirmos oferecer o mínimo que esse povo tem direito. Sentir que todas as ações que realizamos durante o ano, para angariar o necessário para a aldeia, jamais será o suficiente e tudo foi em vão. Alguns acontecimentos serão difíceis de digerir, de aceitar e de entender. Todas as nossas decisões foram revisitadas e infinitamente questionadas. Infelizmente, ao nosso alcance está apenas a possibilidade de oferecer nosso melhor, focar no lado bom das coisas, da vida e das pessoas, apreciar os detalhes, viver o presente e ter a esperança de que todos que ja tive contato tenham mais visibilidade e uma vida mais digna”, revelou Nayara, depois dos 10 dias passados em Sangradouro.
Impacto duradouro e alegria nas comunidades atendidas
O impacto da participação desses acadêmicos missionários por 10 dias entre os povos originários também é intenso. Os salesianos revelam que os jovens permanecem na lembrança de cada uma das pessoas atendidas, especialmente das crianças. “Durante esses anos que tive a oportunidade de estar juntos a esses jovens, uma das coisas que não posso deixar de destacar é que, além dos remédios e atendimentos de saúde corporal, o povo xavante recebeu um bem espiritual muito maior, pois perceberam que ainda há muita gente que pensa neles, que se preocupa com eles. A escuta e o carinho desses jovens conseguiram conquistar o coração do povo. E o povo fica muito feliz com a presença desses jovens. As crianças sempre ganham um carinho especial. Recordo que, no último dia, as crianças chegaram às 5h de manhã para se despedirem desses jovens. E é muito bonito ver isso”, destaca o P. Lich.
Enriquecimento pessoal e profissional para todos os envolvidos
A lição que se leva é proporcional àquela deixada entre os povos originários, seja xavante ou bororo. “O PAAPI nos coloca frente à uma realidade em que se torna indissociável a pessoa de sua cultura e seu ambiente. É isso que nos faz querer mergulhar de cabeça no projeto e ajudá-lo a engrandecer cada vez mais. Ver o amor de cada pessoa pelo seu próprio berço faz crescer o carinho em cada um de nós, para permitir que o povo xavante permaneça firme e forte. E, mesmo que muitos costumes e tradições sejam novos para nós, é um privilégio poder apreciar a estima de cada indivíduo pelo seu povo e seus valores. Foi um prazer poder fazer parte de um pedacinho da história de cada um. Sou grata por cada momento partilhado e prestigio todos que conheci nessa jornada”, avalia a coordenadora do PAAPI 2023, Mariana Amigo.
Cada grupo deixa uma riqueza humana a mais para os indígenas e leva uma experiência pessoal e profissional para toda a vida. Também os salesianos percebem a grandeza do projeto em diversos aspectos. “No trabalho desses jovens, dá para perceber o protagonismo juvenil, pois eles que organizam durante o ano inteiro para arrecadar as doações para os dez dias do trabalho na missão. Chegam animados e com responsabilidades assumidas, mas sempre no diálogo com os salesianos para realizar melhor o planejamento. A comunidade também deu apoio total para esses jovens. Na comunidade salesiana, eles se tornaram o nosso centro de preocupação e dedicação. Isto renova a nossa vocação, traz a alegria para nós e sempre fica a saudade na saída deles. Mas é bom ver esses jovens levarem consigo o carinho, o amor e a simplicidade deste lugar para formar uma parte da vida deles como futuros médicos”, finalizou o missionário salesiano.