Dom Bosco foi percebendo com lucidez sempre maior a iniciativa de Deus na sua vida de fundador, mas teve também a certeza de ser em tudo conduzido e guiado pela mão de Maria: “Maria Santíssima é a fundadora e será a sustentação da nossa obra”. “Maria é a mãe e o sustentáculo da Congregação”. E dizia no retiro de Lanzo de 1871: “Só no céu é que havemos de compreender, maravilhados, aquilo que Maria fez por nós … e o havemos de agradecer por toda a eternidade” (MB X, 1078).
“Maria Santíssima foi sempre a minha guia” exclamava Dom Bosco com frequência (MB V, 155; XVIII, 439). E tal convicção era uma das características da devoção mariana no Oratório.
Em alguns sonhos, Maria Santíssima já havia mostrado a Dom Bosco o campo de trabalho ao qual Deus o destinava. As narrativas de inúmeros sonhos traziam uma mensagem de conforto que intensificava a confiança e a certeza da presença de Maria que a todos protegia como mãe carinhosa.
Sonhos
Sempre é apresentada como mãe e protetora de todos nos perigos. Sempre a figura de Nossa Senhora foi mostrada em sua função de mãe querida que intercede e indica os caminhos da santidade e da salvação para todos. Essa certeza passava pelo coração devoto de Dom Bosco, pelos dos salesianos e se espalhava pelos corações simples e abertos dos jovens.
Já no sonho dos nove anos, Jesus o confia à mestra e esta, a Virgem Maria, mostrando-lhe o campo de seu trabalho lhe disse: “Torna-te humilde, forte e robusto”. Grande é a mensagem de espiritualidade, o roteiro pedagógico embrionário no relato do sonho dos nove anos. As disposições necessárias indicadas para seguir o chamado de Deus, a devoção a Nossa Senhora, a indicação de seu futuro campo de trabalho e a maneira de se relacionar com os jovens, tudo estava contido nesse sonho.
Ele dirá aos seus jovens no famoso sonho do caramanchão de rosas, acontecido em 1847, mas contado em 1864: “Para que cada um de vós tenha a garantia de que é a Bem-aventurada Virgem que quer a nossa Congregação, vos contarei não já a descrição de um sonho, mas também o que a própria Bem-aventurada Mãe se dignou de me fazer ver. Ela quer que depositemos nela toda a confiança”. (A. S. FERREIRA, Acima e Além os sonhos de Dom Bosco, pp. 24-25).
E diz Pietro Stella: “Nossa Senhora foi a Pastorinha, guia, rainha e mãe, a Senhora dos sonhos é um dos elementos que caracterizavam a devoção mariana do Oratório. A persuasão de Dom Bosco tornava-se persuasão de todos, jovens e salesianos. Dom Bosco e suas obras eram protegidos, de modo especialíssimo, pela Virgem Santíssima. Nada se fizera sem a prova palpável de que a Virgem Maria interviera para sugerir soluções, aplainar dificuldades ou proteger das insídias diabólicas (…) Garantiam que todos os que viviam com Dom Bosco, participavam dessa proteção (carisma) especial” (Pietro STELLA, D. Bosco nella storia della religiosità cattolica, II, p. 115).
Devoção
A devoção a Maria – afirmam testemunhas autorizadas – estava no vértice de seus pensamentos. Parecia não viver senão para ela: “Como é realmente boa Nossa Senhora! Quanto nos quer bem!” (Pietro BROCARDO, Dom Bosco: profundamente homem, profundamente santo, p. 160-161; MB XIII, 547). E Dom Bosco vai descobrir que Aquela que aparece como seu amparo, dos seus rapazes e dos seus salesianos, não é outra senão a Auxiliadora dos cristãos.
Mãe, Imaculada, Auxiliadora, é esta a Nossa Senhora que Dom Bosco coloca no vértice de sua pedagogia e da sua ação sacerdotal, apostólica e missionária. É ela quem sustenta o clima espiritual mariano que se vive no Oratório – e também nas outras obras – e se exprime nas formas mais variadas e sinceras de uma genuína piedade popular.
O exemplo partia do santo, que sempre, especialmente nas encruzilhadas mais decisivas de sua vida, se voltava para ela com a familiaridade e a confiança próprias de um filho para com a mãe.
No recordar as maravilhas operadas por Nossa Senhora, além de satisfazer à necessidade de um desafogo ao seu imenso afeto para com a Virgem, ele queria reavivar em todos uma confiança ilimitada nela que, no meio das angústias, das tribulações, dos erros, dos perigos desta pobre vida mortal era e seria sempre a amorosa e poderosa Auxiliadora dos Cristãos (MB VIII, 367).
Pois bem, os últimos 25 anos da vida de Dom Bosco são assinalados por uma presença mais viva, mais comprometida de Maria, a “Mãe amorosíssima” e “a poderosa Imaculada“, como ele não cansará de dizer, mas agora venerada e sentida, de maneira quase totalizante, na sua função de Auxiliadora, quer dos indivíduos, quer da comunidade cristã. Maria Auxilium Christianorum.
Auxiliadora
A devoção à Auxiliadora fora reavivada pelas aparições de Spoleto, onde a Virgem manifestara o desejo de ser invocada com esse título.
Para Pietro Stella, “sem Spoleto, provavelmente Dom Bosco não se teria tornado o apóstolo da Auxiliadora; sem Dom Bosco, porém, a flama de Spoleto talvez tivesse sido um episódio característico do decênio 1860-1870, em clima de um escatologismo mariano, de messianismo antes da queda do Estado Pontifício. Dom Bosco, correlacionando à sua pessoa e às suas instituições o culto da Auxiliadora, conseguiu dar uma dimensão grandiosa e mundial à devoção a Maria Auxiliadora” (Pietro STELLA, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica, II, p. 173).
Dessa forma, com a Basílica, a devoção a Nossa Senhora Auxiliadora une todas as casas salesianas do mundo todo.
Raras vezes aconteceu que um título mariano se difundisse com tanta rapidez, entre os católicos, como o de Maria Auxiliadora. Provam-no os inumeráveis quadros, altares e igrejas dedicados ao seu culto em todo o mundo. A presença de Maria no trabalho de Dom Bosco e dos salesianos perdura até hoje como a segurança materna de uma proteção especial. Em contrapartida, os salesianos lhe devotam um carinho especial, são seus filhos realmente (cf. carta Lasagna-Bosco 05/12/1877, em Mons. Luigi Lasagna, Epistolario, I, p. 159.23-24).
Há duas razões fundamentais para a escolha desse título, para além de outros motivos implícitos e explícitos: a primeira, pela lúcida intuição da atualidade do culto de Maria Auxiliadora na Igreja de seu tempo. O recurso a Maria Auxiliadora se impôs em virtude das extraordinárias dificuldades em que a Igreja se debatia então. A segunda, pelo alcance, dificilmente calculável que virá a ter na história salesiana a construção e a existência da Basílica de Maria Auxiliadora em Valdocco.
A basílica de Valdocco é um santuário – entendido como lugar que oferece, por sua natureza, uma presença incisiva de Deus, de Cristo, como também de Maria – de repercussão não só para a cidade de Turim, mas nacional e mundial, aberto às exigências espirituais e apostólicas da Igreja.
Na origem estão a piedade, a intuição e a energia realizadora de Dom Bosco, padre educador e fundador religioso, profundamente convencido da importância da Auxilium Cristianorum em tempos calamitosos para a Igreja e não menos difíceis para a firmeza da fé de seus membros. Ela podia se constituir em uma singular reserva para a vida espiritual dos jovens e de seus educadores.
Essa opção expressa de forma muito condizente e ilustrativa o modo ou o processo de decisão do educador Dom Bosco. Tratava-se de uma oferta para os salesianos se ampararem na presença de Maria Auxiliadora como Mãe e Mestra. Porém essa escolha revela um processo de Dom Bosco inteiramente inserido no tempo. Acolhe o que lhe parece o melhor para integrar em seu processo educativo, considera as perspectivas e revela ou acentua as possibilidades futuras e as torna um lema e uma realidade.
A consciência popular não tardou em descobrir a maravilhosa aliança entre Maria Auxiliadora e Dom Bosco, a incindível ligação que os unia: Dom Bosco era verdadeiramente o “santo de Maria Auxiliadora” e Maria Auxiliadora era realmente a “Nossa Senhora de Dom Bosco”. Essa denominação, nascida da intuição de fé dos crentes, passou para a história.